Feijoada (quase) completa

Nada melhor do que chamar os amigos pra conversar, tomar uma bem gelada e se esbaldar de comida, de poesia e prosa, de música e melodia, de imagens e memórias, enfim, de amizade. Sem formas fixas, do jeito que a cabeça e a emoção pedir, da maneira que cada um prefere se expressar. Todos os amigos podem contribuir pra que essa feijoada deixe de ser "quase" e venha a ser completa. Um grande beijo nesta saudação inicial dos amigos José Neto e Anadora Andrade.

sexta-feira, 29 de setembro de 2006

Quase erótica

Mão dada ao suor
e a preguiça
lenta encontra a carne
inteiriça

vem aroma vai sandice
que por ternura e vontade
descobriu meninice
bem no gosto de mar
dessa pele ouriçada
contorcendo desejos
tremendo cansada

eis que a pele pálida
cora cor de rosa:
ela menina goza.

Anadora Andrade

terça-feira, 26 de setembro de 2006

distraído

quase sou
no seio do escuro
onde a dor sangrou

Lágrima em brasa no verso duro

ali refaço a flor
com a cor do sumo

o mundo derretido
num pedacinho de sonho
escorre sem revolta
no rosto do cotidiano mudo


Poeta do meio

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

menina da pele branca,
dourada de tanto sol,
pergunta pro menino moreno,
quase morto de tanta lua

- Tanto poema, tanto desandar, na verdade o que será?

menino calado
responde abafado

- nada não, nada não

Bilis

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Inspiração

Procuro a coruja que habita
Meus sonhos anoitecidos pela fuligem do dia.
Ela tem fome, mas seu alimento confunde-se na escuridão.
Seu vôo espalha o pólen cinzento do banco do ônibus,
dos becos, dos elevadores, motéis, bares oníricos...,
e o breu distorce o pio do bacurau agourento.
Onde estará ela?
No perímetro das folhas na copa das árvores?
Nos jornais pela manhã?
No navio ao longe?
Nos olhos de minha namorada?
Nas frases sublinhadas duma literatura absurda?
Nunca vi, mas sua existência,
sem dúvida secreta,
pertuba-me a carne, nos músculos,
resseca as manhãs em retinas impermeáveis por remela.
Talvez esteja em todos os lugares
de meu sonho e por isso não a encontre;
ela é da noite, empoleirada na cica de todas as estrelas,
umas tão distantes que é impossível vê-las.
Não sei por que continuo,
por que ainda caminho pelo adubo inorgânico da relva escura,
se sei que nunca a encontrarei.
Pois que ela habita os sonhos e os sonhos não foram feitos para serem vasculhados
como uma gaveta que guarda o mais valioso verso.
São intangíveis, abstratos e a gaveta está trancafiada.
Só resta espiar pela fechadura.

Tiago Groba

terça-feira, 19 de setembro de 2006

Mal dormir

Hoje me peguei
a cheirar um casaco vermelho
como se fosse plausível
tingir de rubro teu cheiro

Sem querer agarrei
tua mão travesseiro
fui sonhar um longo abraço
- banho de mar e mormaço -
para acordar com a boca seca
as três da matina
tentando extrair conceito
donde só sai rima.

Anadora Andrade

domingo, 17 de setembro de 2006

menina-água

Você surgiu
cai a chuva
dentro de mim
corre um rio
sem passado
nos meus pés

Poeta do meio

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

(Vivo) (Apego)


Estranho apego a essa vida
de cerveja quente
naquele bar ruim de copos sujos.

Estranho vivo apego
com os parcos centavos
naquele ônibus cansado, cheio e rude.

A que horas tua cama te recebe?
Com o esgoto e o calor paralelo
naquele bairro esquecido pelas fotos e nomes no muro.

Apego cristão ao vindouro melhor.
Sinônimo esperança
naquele dia futuro que jamais virá.

Mas viva (!) o tal apego
que serve de exemplo.
Nesta tediosa vivência burguesa,
com eterna crise de consciência
e ansiedade honesta, ao menos,
por um bar de copos limpos.

Neto (José)

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Amores de Verão

Amores de verão
Largam salitre
No meu coração

Dessas carícias
Mais pra sevícias
Não quero mais não
Diz meu coração

Mas pode um dia vir
De que venha a confundir
Primavera com verão

Do sal virar pólen
Pra que todos olhem
Uma nova estação

Tiago Groba

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Conversa de bar em bar

Ainda nem pude comentar
a tal resposta que encontrei
é tanto problema, tanto vai-vêm
serei sincera:
o amor que em mim começa
em mim encerra
ninguém o leva daqui
Nasce em mim
morre em mim
pra nascer de novo
é novo, novo, novo
e é meu
sorriso após o gozo.

Anadora Andrade

sábado, 9 de setembro de 2006

Enormes miudezas


Não eram os detalhes de se mostrar.
Foram sim, ao tempo, silenciosos e tímidos.
Aliada cegueira e surdez desinteressada.
Dormência, latência de pele e espírito.

Os fazia pouco importantes.
Involuntário vazio (significante) de significados.
Inspiração abstrata.
Poucos versos sem dedicatória.
Assinaturas quase anônimas.

Toques, carinhos qual evaporar.
Incapazes de trasmutar em saudade.

Reserva do passado a tão parcas sensações.

Outrora não eram, são.
Se foram, não mais.
Sem aliados para indicar esconderijos.
Toques sólidos, pra pele e espírito.
Enfim poesia concreta.
Palpável, sensível, degustável.

Com dedicatória, assinatura e rosto.
A cada verso.
A cada enorme miudeza.

Neto(José)

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Nem um nem outro

Com a baía de Todos os Santos na cabeça
(é azul a imensidão)
tiro som de poesia
só não toco violão

Se soubesse desenhar
esse quadro pintaria
que depois de emoldurado
o seu quarto enfeitar ia...

Anadora Andrade

terça-feira, 5 de setembro de 2006

pra voltar com mais coragem?

aqui estou eu
no alto do condomínio
buscando raízes intoxicadas
e madeiras podres de fim de sábado

Pensei em fumar um cigarro

Assim meu deus pergunta
que duvida?
pois nos montes mais altos
É que o vento sopra forte
mas não me dá coragem

É que meu verso pergunta primeiro
matreiro,
mas por falta de aconchego, emudeço.
E emudecido hei de ficar

Gabriel Bilis

sábado, 2 de setembro de 2006

Expectativa

Precipito mais que chuva
ao pensar no que viria
virá?
Pode ser mais poesia
Pode ser meu debulhar
aliás
água é isso mesmo
ela existe pra molhar.

Escorrendo pela página
quase borro assinatura
e os beijos ali então
impressos com candura

Precipito, precipício
medo mesmo
só de vento
essa altura
é uma delícia!


Anadora Andrade