Feijoada (quase) completa

Nada melhor do que chamar os amigos pra conversar, tomar uma bem gelada e se esbaldar de comida, de poesia e prosa, de música e melodia, de imagens e memórias, enfim, de amizade. Sem formas fixas, do jeito que a cabeça e a emoção pedir, da maneira que cada um prefere se expressar. Todos os amigos podem contribuir pra que essa feijoada deixe de ser "quase" e venha a ser completa. Um grande beijo nesta saudação inicial dos amigos José Neto e Anadora Andrade.

sexta-feira, 30 de junho de 2006

Sem amor nem casaco

Cai a chuva
tem goteira
frio no pé
Nada disso é poesia,
só a solidão que é.

Nossa casa agora é minha
não mais ama
não mais quer
Nossa casa era de lona
seu amor trapo qualquer.

Anadora Andrade

quarta-feira, 28 de junho de 2006

Vento a galope


O vento apita em minha janela
como um trem que galopasse,
sendo ele, estranha dupla condição,
seu guia e a própria montaria.

Pra mim, esse vento tanto quanto incontrolável
paixões que se avizinham.
Tão quanto barulhentas
insetos naquele silêncio
mágico, gutural, irreproduzível da madrugada.

Controle perdido não mais procurado
se o verso exigir franqueza.
Pra abdicar plenamente da inteligência,
sensação qual o vento-trem galopante,
precisará esperar menos
que o intocável instante agora.

Faça-se capaz de ouvir
o deslizar entre os pêlos
de células de água ar e meus dedos.
Perceber que gritam
falares e olhares já tantos.
Significativos sutis
pra essa escassa percepção
dos vinte e poucos vividos
e muito menos amores.

Nos toque o mesmo vento
(pedido desejo, ansiosa curiosidade)
em um ritmo rápido,
cadenciado e constante,
como a regra desse nosso desenrolar.

Tão estranhamente próprio.
Medrosamente próprio.
Confortavelmente próprio.
Sem saber ou confessar
o que terminei por dizer,
como outras vezes,
oblíqua e transversal.

Tanto quanto sincero e verdadeiro
aquele segredo indevido
que expõe descuidada criança.
Mesmo não havendo nada mais óbvio,
latente pulsante gritante,
enfim, perceptível.

Tão quanto veloz galopante
o vento-trem já sem guia.
Somente montaria livre
na janela agora descerrada.


Neto José

segunda-feira, 26 de junho de 2006

A poeta da rua


Ela sem nome
paralisou-me um dia
a poeta da rua
Recitou ao vento
versos desaforados
desafogados
aos vagabundos de olhar
que o brilho a vida levou
Roubou a cena a rua e minha atenção
Na sujeira da noite
na sujeira da roupa
na imundície das unhas
a limpeza do olhar
da alma lavada
barbaridade beleza grito grandeza
e minha alma suja
ouvia com gratidão
Seguiu a poeta
pro canto da estrada
no ventre da noite
e com singela leveza
disse no ouvido do vento da contramão:
"Vagabundos da noite
gigantes da Lua
filhos da ingratidão
Sigam meu passo, meu instante
meu rastro
Digo que sei o caminho
eu tenho a visão"

Alina Mourato

quinta-feira, 22 de junho de 2006

Olhos negros vaidosos

A ler seus olhos
hieróglifos
não aprendi.

Que raios querem,
será mesmo que querem dizer?
Tanto mistério
inda hei de entender...

Expressão maior do segredo
olhos,
esses negros que vejo
sei que em pleno dia

dançariam
dentre meu beijo.


Anadora Andrade

terça-feira, 20 de junho de 2006

Quem é você


Quem é você, fina flor?
Se alcanço, é pó
Se questiono, é brisa em tarde de verão
Mas se grito, é pôr do sol

E se no oceano sem horizonte
Me evita as verticalidades repetitivas
Insiste em ser estrela sem luz
De encontro com sua própria natureza

Já numa armadura de justificativas
E escudo do acaso
Tenta esconder as evidências
De que há muito já é borboleta sem casulo
Se dizendo pássaro de asa quebrada

Christiane Alves

segunda-feira, 19 de junho de 2006

A náusea

E passado tudo
A infância bruta
A alma estrábica
O relógio parado
A grande biografia
Depois de tudo
Do último beijo
Da última cena
Do último ato
Da última náusea
Do século surdo
Da escolha errada
Da falta de escolha
Do manifesto encadernado
Mas depois de tudo
Bem nadificado
Quem coará o café?

Tiago Groba

sábado, 17 de junho de 2006

Pós Moderna

SEXO
REFLEXO
Abaixo segue meu coração
- EM ANEXO –

Anadora Andrade

quinta-feira, 15 de junho de 2006

Mulher Lúcida

“Você é um rei em baixo do sol?”, “Não!”, “Porque não?” “Aliás sou”. Confuso, o olhar perfurava-me, cutucando a linearidade que me faz crer lúcido. Se afasta como se do contato não mais precisasse. Busca outros. Oferece , sem resposta, a tâmara recheada que conseguira num movimento ágil diante do garçon de passos rápidos e bandeja estendida no alto. Em vão, estátua de mau gosto, arte não apreciável, imobiliza-se diante das três damas que fingem não perceber a criatura com a sobremesa. Indiferente desiste, se aproxima novamente e me oferece, “tâmara recheada?!”, hesito um pouco, tomo de sua mão e como. “Tem gosto de que?”, pergunta meio irônica, meio misteriosa, “tâmara recheada” respondo sem pensar, “e tem gosto de que?”. Atordoado imagino por um instante que ela acrescentou alguma coisa, sei lá, cuspe, urina, veneno de rato, ela é louca porra , “só se foi o garçon” responde com um meio sorriso depois da acusação. “Você sabe escrever?”, respondo que sim após um curto silêncio. Ela tira do bolso um caderninho semi-novo de capa bonita, pequeno, desses de anotação. “Escreva alguma coisa!”. Sem demora pego o caderno, escrevo um poema, Pouco talento ou pouco saber, tento em vão escrever, o que? Qualquer coisa li, vi , ouvi(r); talvez deva mais ouvir!” Poucos dos versos meus que tenho de cor. Devolvo, meio satisfeito, um pouco orgulhoso. Ela pega, olha por um momento, fração de segundo que não daria nem pra ler o título que não tem. Sem cerimônia, desdobra as folhas, guarda o caderno e vai embora.

Lineu Oliveira

terça-feira, 13 de junho de 2006

Nós


Em rápidos passos
Desfaz o meu laço
Abraço vazio

Se traço
Procuro, não acho
Sentimento vadio

Sorriso que é vento
E beijo que é nuvem
Nem mesmo amargo
Insípido

Já não há mais tato
Nem sentido
Nem antes, nem depois
Jaz no corpo despido,
Mas intrépido.

Christiane Alves

segunda-feira, 12 de junho de 2006

ah...
quem me dera ser um poeta velho
quem me dera ser um poeta morto
ou ter uma doença incurável
qualquer coisa menos inútil
q'esta poesia jovem,
cheia de esperanças e ilusões...

ah...
quem me dera não ter olhos para ver
ouvidos para escutar
boca para falar
e mãos para escrever...
quem me dera já não sentir nada
a não ser o orgulho
duma vida outrora luminosa
a justificar tudo
e poder zombar dos sonhos
evitar teus olhos
e dormir para sempre...

ah...
quem me dera arrancar-te do peito,
tempestade maldita,
a morrer junto a ti
num chão qualquer dentre tantos.

"faça-se a luz"...

mas não!
pela manhã, novamente, sanguíneo
desejo transversal
de sexo instantâneo...
gozo abstrato ou satisfação plena?
deixa-me enganar-me
ser generoso e estúpido
dar de beber à minha pele...
...

ah...
quem me dera ser um monstro,
ou um anjo,
livre deste palavreado simbólico
ou sínico o bastante
como a consciência limpa de um ditador:
não compartilhar desta vidinha de merda
nem possuir sabedoria alguma.

ah, quem me dera,
levar a sério a ironia da vida
desejar feliz ano novo
e me dar por vencido...

Martim Silva
08.01.2006

domingo, 11 de junho de 2006

A Revolução Portuguesa de 1383-85: a Sociedade, o Poder e a nova Política Econômica

Muitos são os personagens que viveram essa História
poucos são os retratados nessa aula
enlatados, embutidos, rotulados
num viés onde o centro é o Estado
A raia miúda amiúde sem poder
Arraia na panela é moqueca com dendê

Nas cortes alguns declararam
nas batalhas outros atolaram
Para que no fim só a raia miúda
venha fazer esse seminário de otário
que não deixa minha sapiência aguda

A paciência acabou
A maconha já fumaram
Eu não tenho dinheiro
Eu só compro a crediário

A raia miúda tão pequena que da dó
comparada a infantaria de palavras
que apenas dão um nó
pois prefiro ver a Emília se casar com Rabicó.

Anadora Andrade e Tiago Groba

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Diálogo II


Do “humano” sobrevieram tristezas, misérias, dores.
Brotaram dos poros feito suor.
Mas esses mesmos poros,
aliados às bocas, às mãos, ao peito,
deram nascimento ao fantástico.

Segredo!(?)
A maçã do conhecimento
trazia em sua carne
a própria criação
e, como conseqüência, a beleza.

Que nos tenham negado o paraíso
(por temor de tanta divindade)
mas tenham nos dado o mundo.
Das sete maravilhas às tantas desgraças.

Sejamos equilibradamente diabos e santos
e assim tocaremos (levemente) a completude:
de alma, de ser, de essência.
De humanidade.

Zé (Neto)

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Poesia Quebrada do Amor Verossímil

Por trás dessa barba
há um furo no queixo
um capricho
um desleixo

De trás dessa barba
(bárbara)
não se esconde o homem só se mostra
em graça estilo solto verso e prosa

Por entre esses fios
tecerei nossa poesia
colcha de retalhos
metade vida sua
metade vida minha.

Anadora Andrade

domingo, 4 de junho de 2006

Diálogo I


O horizonte jamais pareceu tão distante.
O sol que se esconde ao crepúsculo
expõe motivos para questionarmos se voltará.

Se mesmo disso se duvida,
imaginem o crédito dos próprios homens.

Eles que são menos puros e indispensáveis
do que a própria natureza.
Se em essência trazem um maniqueísmo perigosamente equânime,
que pende em razão de “pra quês” e “por quês” levianos.

Mas não me achem um incrédulo.
Um tolo a negar toda a humanidade.
“Só” desisti, humildemente,
diante do visível, palpável e audível.
Desisti dessa hipócrita moral dos grandes egos.

Enfim, desse mundo dos homens.
Desse tempo dos homens.
Dessa fé vã em busca de um lugar ao céu.

Zé (Neto)

sábado, 3 de junho de 2006

Espiral lembrança

Busco a palavra-sentimento
que no exato momento
perdeu-se nessa mesa
entre a sintaxe da tristeza.

Busco a espiral-lembrança
que me desnorteou
no conceito gramatical de suas tranças
que termina onde tudo começou.

Anadora e Groba

sexta-feira, 2 de junho de 2006

Filho deste tempo

Marco o livro de Clarice com o contracheque do banco.
Sou filho deste tempo.
Tempo de corações recauchutados.
Tempo de índios suicidas:
Envelheceram meu Novo Mundo.
Meus amigos estão deprimidos.
O mar está poluído.
Já não há poesias nos jornais
E os malandros não mais tocam violão.
Não vi fuscas envenenados rasgarem
A Avenida Centenário em corridas alucinantes.
O que ouço é o motor do carro da dengue
Bafejar seu hálito fétido nas
Noites de verão.
Filho de verões em que as estrelas
São apenas furos na grande malha escura,
Pois há luz do outro lado.
Ou seriam pontos de um pó salpicado
À espera de que se lhes enfileirem numa carreira galáctica?
Vejo blogs de grama alta, abandonados em melancolia virtual.
Vejo dores de séculos passados, liberdades requentadas.
Fatiga-me a inspeção minuciosa da realidade,
Essa ferrovia de conceitos inúteis.
Falta-me o amor.
Estou cansado e quero água.
#
Sou filho de todos os tempos.
Sentimento de todos os tempos.
Vim ao mundo no dia 24 e muitos troçam
De mim.
Praga do acaso nascer,
Nasci.

Tiago Groba

quinta-feira, 1 de junho de 2006

O pedido de amar que levou Mabel pra rua


Se seu nome não fosse Mabel
ah...não tiraria o chapéu!
Pra que? Se não rima?
Que pena não ser minha prima...
se assim fosse, empinaria
aquilo que não teve Maria.
Sabe de uma? Pra que empinar isso?
O que importa é o compromisso.
Já tô com papo de ladrão...
cuidado pra eu não roubar teu pão!
Hummm... tão fofinho e delicado,
dá pra comer um bocado.
Que pedaço de pão! Padaria!
Como é bom falar de... Mabel.
Ela é de verdade, não é de papel...
antes fosse.
Aí picotava toda e não tinha problema
ou então fazia um poema
sobre seu corpo liso e morto
mas se eu fosse torto,
eu amassava toda, uma bolinha de basquete,
tiro-livre direto! Cesta!
Esquece!
Eu não sou assim... nada de motim.
Pode confiar! Não jogaria você ali,
dentro daquela lixeira.
Afff... que nojeira.
Pára com isso, mulher. Eu te amo.
Num tá vendo o teu rebolado,
sou um amante embevecido, moça,
só mato se for traído... e olhe lá...
Morrer é diferente. Morro de prazer.
Você que é o carrasco...
Tão peguena...
ainda vem com aquele papo:
-As melhores tão nos menores frascos.
Que me perdoe as fragrâncias refinadas,
tô afim é de odores e mais nada!
Aqueles bem guardadinhos
no ventre das Margaridas.
Mas serve as Rosas da vida.
São as melhores...
Mabel, não chore. Não te abandonei.
Só tava abrindo meu coração,
nele, você sabe, cabe uma multidão.
Nunca fui egoísta...
muito menos de dar "não"!
NÃO, Mabel! NÃO! NÃO!
Não vou fazer isso, não é do meu feitio!
Cala a boca sua donzela.
Olha aqui, ainda tá suja a panela.
Sabe de uma? Vai pra rua...
sua cadela!


Vinícius Soares Carvalho