Feijoada (quase) completa

Nada melhor do que chamar os amigos pra conversar, tomar uma bem gelada e se esbaldar de comida, de poesia e prosa, de música e melodia, de imagens e memórias, enfim, de amizade. Sem formas fixas, do jeito que a cabeça e a emoção pedir, da maneira que cada um prefere se expressar. Todos os amigos podem contribuir pra que essa feijoada deixe de ser "quase" e venha a ser completa. Um grande beijo nesta saudação inicial dos amigos José Neto e Anadora Andrade.

quarta-feira, 31 de maio de 2006

Tudo sob controle

Enquanto eu falo
de coisas normais
meu coração fraqueja e cai
de minhas mãos.

Nada é tão normal quanto parece
dias noites preces...

Anadora Andrade

terça-feira, 30 de maio de 2006

Primeiro homem


Primeiro homem que me amou
carne a carne
sem culpa.
Primeiro homem que se derramou em mim
gota a gota
sem medo.
Primeiro homem que eu quis fosse meu último
dia a dia
sem pressa.

Liana Lisboa

segunda-feira, 29 de maio de 2006

(Sem nome) II


Ele se inunda de impaciência
e, de súbito, apenas não quer.
São enfadonhas tantas palavras
quando o prazer é não-verbal,
porém, mais eloqüente.

Ele se inunda de impaciência
com a previsibilidade burra da decepção.
Cai cego pela própria falta de luz,
mas busca, sabendo vã,
a solução rápida das tristezas.

Mas, se aparentemente vã, de que vale a impaciência?
Desta maneira nem ela lhe resta.

Eis que nasce uma serenidade silente.
Não tão inerte quanto contemplar miudezas,
porém substancialmente menos bravia.

Sucedem-se pensamentos desconexos,
uma razão forçada e (facilmente) quebrantável.

Mas ele percebe,
ainda na aurora matinal,
que deve mesmo se inundar de impaciência.

Então a abraça afoitamente
e percebe que nada mais era do que um laço mal atado,
no entanto, plenamente suficiente.

O impulsor silencioso necessário.
Quase um sinônimo mais intenso de viver.


Zé (Neto)

domingo, 28 de maio de 2006


I

Construir sentimentos sempre foi mais difícil que construir frases.
Construir futuros enquanto se apagam passados também é igualmente difícil.
Todos exigem uma dose exagerada de coragem.

II

Busco me achar e me encontro (enquanto o tentar te buscar foi inútil).
Tente se achar, mas não procure meus rastros (no sentido oposto).
Sofra e erre enquanto é óbvio que te ignoro (menos do que gostaria).
Aprenda o que puder e tiver que aprender (não mais para mim).
Engatinhe, depois ande, depois corra (com sorte, até voe).
Para longe das minhas pegadas, assim como hoje, felizmente, longe do meu olhar.

III

Dor (ódio), tempo, as terríveis duras perfeitas canções de Cazuza.
Mais tempo, menos dor (menos ódio), apenas versos e canções de obrigado e eterno adeus.
Novo tempo, sem mais dor (indiferença).
Tempo de novos e mais doces e bárbaros encantos.
Enfim, serenidade.

IV

Apenas lembre que Carolina jamais vai enxergar o que lhe fere os olhos,
pois Chico jamais mudará a letra.
Carolina sequer percebe que, em busca do orvalho,
não esperou a noite ou a madrugada.

Mas assim como ela jamais conseguirá guardar a dor de todo esse mundo,
essa nova madrugada nunca chegará.

Zé (Neto)

sábado, 27 de maio de 2006

Caminho duplo

Sem pecado não há Igreja
Salve-se quem souber
Creia se quiser ser cético
Deixe o vizinho falar sem eco
Duvide do cara do boteco
Vão roubar sua mulher!

Sem pecado não há perdão
Salve-se quem souber
Escolhe um caminho agora coração
Via dupla contramão
Vá pra lá de corpo inteiro
mas não se perca não
não se perca não.

Anadora e Groba

quinta-feira, 25 de maio de 2006

Girando a esquerda


O sangue me salta o corpo e aflora
o lado em mim de mim que é de dentro
me cuspe, me beija, de sangue decora
a face calada dos tempos de centro...

o sangue me doma, e toma surpreso
o rosto esbelto diante do espelho
me pinta e pinta o seu dono, preso,
na cara o afresco de um tom vermelho...

Acerta! - me diz o sangue em fúria
nota a tavolatura social
Bombordo! - não segues tu a injúria
a escolha que fazes é tão crucial.

O sangue me cansa tudo e descansa
longe do bate-rebate do meu coração
liberto soca meu olho e a pança
justo na pança produz contração...

O sangue é vida, que me flui em saltos
catarses poéticas agudas certeiras
revelando a tempo o tempo em auto-
reflexos reflexos de uma vida inteira.

- Sê e não sejas! - a dança do sangue
define o passo das pernas burguesas,
dois pra lá e dois pra cá, é tango e
é rumba, é samba... girando a esquerda!

Vinícius Soares Carvalho

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Bom dia, sou o catador de lixo do seu prédio, tô aqui pra pedir dinheiro pro que não tem remédio. Meu filho que tava doente não resistiu, morreu coitadinho. Tô aqui pedindo dinheiro pra ajudar o enterro... pois é, de morto já caiu, só não tem caixão nem cova. Aceito qualquer contribuição que possa dar, serei agradecido, é mesmo pra o enterro do guri falecido.
- Só um momento, vou aqui olhar.
Passados poucos minutos recebeu a nota de dois reais que lhe foi entregue, recebeu com as mãos trêmulas e seu olhar não procurava a mesquinhez do momento. Muito sincero e rouco agradeceu “pode contar comigo para o que precisar, cato lixo aqui no seu prédio, tô as ordens, muito obrigado”.
Hoje pela manhã um ser humano invisível bateu em minha porta, tinha a cara do Brasil e sotaque nordestino, perdera o filho e nem sabia chorar.

Anadora

domingo, 21 de maio de 2006


Pra menina (ainda?) descrente


Apesar da descrença,
se lhe dediquei aquele sentimento,
são seus todos os versos.
Cada "carícia poética".
As frases que o seu coração pede
e o meu te dá sem ironia.

São seus os cabelos claros.
É seu o rosto
e o perfume em cada linha.

Assim como é minha a timidez
e o medo de confundir
os sentimentos de mãos dadas.

Mas se nos pertence o encantamento.
Os corações sempre afoitos e desconfiados.
A inspiração poética mútua.

Só nos faltam (faltavam) os lábios colados...

Zé (Neto)

sábado, 20 de maio de 2006

Ao Desaforo


Faz poesia sem rosto
dedica a mim por ironia
me abraça com palavras esparsas
e carícias poéticas que não são minhas.
Meu coração sedento que é de frases
bobo se apossa da poesia
leva consigo meu pensamento descrente
e o descompasso se faz laço
em meio a verdade-fantasia.
Num estranho apego à inverdades
me encanto com o inexato canto teu
que "bulina" um coração que já te queria
e por um impulso de vaidade
fico com o desaforo da ironia
que fez nascer um riso sincero no rosto meu.


Da menina descrente

O pingüim e a pingüinha

Não tem tempo ruim nem rinha
Entre o pingüim e a pingüinha
Faça chuva desça neblina
Caia a lua numa esquina
Nada nada aporrinha
Ao pingüim e a pingüinha
Quando ela tá triste, tadinha,
Todinha cabeça pra baixo,
Ele vem logo, aprumado,
E dá uma rapidinha.

Tiago Groba

quarta-feira, 17 de maio de 2006

Alegria, menina perdida

Alegria perdida achadiça no bar,
sorrateira entreolha, não vem falar:
é menina daquelas difíceis de ganhar.

Alegria perdida chegou por brinquedo
decidida caminha, que medo?
Dela menina só sei um segredo.

Não sei quanto cigarro
ou cerveja
fumei e bebi
Não sei meu amigo
ora veja:
já me esqueci.

Alegria perdida pensou-me aprendiz
Eu?
Quase a toquei por um triz (!).

Anadora Andrade

terça-feira, 16 de maio de 2006

Pra quê te fazer uma canção


Pra quê te fazer uma canção
se seria tão doce
que jamais iriam tocá-la.
Sem lembrar dos amores,
daqueles mais encantadores.
Tão inebriantes quanto efêmeros.
Mais até que a tal canção.

Pra quê te fazer uma canção
se seria tão ingênua
que jamais iriam tocá-la.
Sem rir da esperança
que te cerca sem querer.
Tão inútil quanto cega.
Não a canção;
a tal esperança.

Pra quê te fazer uma canção
se seria tão triste
que jamais iriam tocá-la.
Sem lembrar da sua frieza,
dos seus carinhos contidos.
Tão escassos quanto espontâneos.
Nem merecem a tal canção.

Pra quê te fazer uma canção
se seria tão furiosa
que jamais iriam tocá-la.
Sem se arrepender de cada minuto.
De cada palavra dita.
Tão sinceras quanto em vão.
Assim como esta canção,
e também,
o próprio amor.


Zé (Neto)

segunda-feira, 15 de maio de 2006

carícias e bolinações em banheiros químicos
sob aforismos de carnaval
ó o gelo ó gelo ó gelo
bactérias transitando entre alvéolos
em ruas sufocadas de aríetes humanos contra todos
recendendo miasmas etílicos
mãos que se queimam de cigarros
carne na brasa gordura e fumaça
quando a cidade pesa mais de um lado
dentre bafômetros glicoses e beijos solúveis na chuva
que vai escorrendo pelas ruas decantando
suores e vaidades salivas e desejos
e escoando toda a reserva de sentidos
para o esgoto esgotado de
poesia

Tiago Groba

sábado, 13 de maio de 2006

Por encantamento


Pra uma menina especial que não acreditou que fiz esse poema pra ela...


Queria te fazer um poema.
Mostrar-te um sentir
por meio de palavras inexatas.
Acariciar seus cabelos claros,
tocar seus pelinhos invisíveis do braço
e (por megalomania) ser dono do seu cheiro.
Tudo apenas a partir de alguns versos.

Já que são as palavras inexatas
melhor então fazer do jeito certo.

Com meus olhos mirando os seus.
Minhas mãos pousadas cuidadosamente
sobre sua nuca e sua cintura.
Seu aroma, agora real,
ocupando nossa porção imediata de mundo.
Enquanto você termina de ler estas linhas
e me escuta sentir que te amo.


Zé (Neto)

quinta-feira, 11 de maio de 2006

Poema pra uma excluída

Vera sempre disse p´reu ser alguém.
Vera sofrida,
Nem dinheiro, nem felicidade a pobre tem.
Aquele sorriso banguela (singela) sempre me cativou,
Quando ela ria da própria desgraça,
Quando ela ria por nada
e tentava fugir da tristeza.
Vera sempre disse p´reu ser alguém,
justo ela que não é ninguém.

Anadora Andrade

terça-feira, 9 de maio de 2006

"Se"


Se falam que o “Se” não existe
é porque não percebem.
Haveria menos exercício de esperança ou imaginação.
Sonhos ingênuos ou absurdos.

Ainda que fosse decepção
ou um sentimento triste sem nome.
Nostalgia ou possibilidade frustrada.
Ai da gente se não tivesse tanta coisa para sentir...
Teríamos que nos valer de todos os santos/orixás/entidades
que, se existissem, precisariam nos salvar.


Zé (Neto)

domingo, 7 de maio de 2006

BUNDA BUNDA


Bunda, bunda
Casta bunda...
Se você se chamasse Raimunda
Só seria uma rima
Não seria masturbação...
Ludibriar-me com esses versos lascivos
Pejorativando as palavras
Em busca de uma boceta poética...
Cansei de procurar, inventar imagens pornográficas e visões imorais...
Quero, de verdade, boceta de verdade, e mais...
...pelinhos, vulva, sebo, sêmen...
Porra!
Eu quero um mundo boceta, uma boceta-mundo
Para enfiar minha cara
e me perder em gozo.
Quero meter meu órgão sexual na terra vaginal do teu formoso campo,
Plantar semente em teu corpo
E ver o caule crescer em teu ventre...
Porra!
Eu quero fuder!

Autor tímido (e precavido)

sábado, 6 de maio de 2006

Remediar na cama

Poesia não é diário
Há que se expandir o abecedário
Derramar muito mais ais que rais e kais
hipocondriacamente falando.
Não quero saber da sua vida
Só me interessa a ferida
chaga aberta e corrosiva.
Versos não são declamados só por beleza ou agonia
esses desconexos são de pura raiva
e desgraçada canalhice que
afinal o caso não é de drama
e o final é te arrastar pra minha cama.

Anadora Andrade

quinta-feira, 4 de maio de 2006

El exceso


Este ótimo poema é de um poeta colombiano que conheci recentemente. Está viajando pelo Brasil com a cara e a coragem (que inveja!) e tive a oportunidade de comprar um livro seu...Depois quem quiser pede emprestado...

El exceso de T.V. no remuerde.
El excesso de alcohol es obligatorio.
El exceso de trabajo es legal
y perjudica la salud.
El exceso de velocidad
es la rebeldia de los lerdos.
El exceso de drogas no da abasto.
El exceso de sexo no se siente.
El exceso de luz eclipsa la noche.
El exceso de noche es elixir de fantasmas.
El exceso imposible del amor.
El exceso de la danza de la muerte.
El exceso de lujo, de codicia, de violencia.
El exceso nuestro de cada día.

John Galán Casanova

terça-feira, 2 de maio de 2006

Não há porque negar a existência do paraíso


A partir das Lembranças do vale do Capão

Como brilha aquela sua melancolia.
(Ou será serenidade?)
Nada nega que seja encantadora.
Entrecortada com um olhar sorridente
que, ao contrário, não dispersa.

Hipnotiza como o descobrir a uma criança.
Como aquele detalhe nunca percebido.
Como aquela natureza que sabe existir
e insiste em ser extasiante.

Dá-me aquela paz tão sua.
Tão perdida e tão achada
em seus cerrados caminhos,
ainda mais confusos para os inexperientes.

Ainda que você não seja suficiente
traga ao menos novos fatos.
Suspiros de primeiro amor.
A gênese explosiva
de um universo incrédulo diante de si.

Incredulidade que se renova com pores do sol,
com constelações e suas estrelas,
com alturas e com água gelada,
com saltos incertos sobre a curiosidade.

Espanta com facilidade o cansaço de concreto,
a frieza dos olhares,
a desconfiança do bom dia de elevador,
aquele sorriso que se resume à boca.

Então, além do novo sorriso,
que fique a serenidade e a paz.
O descobrir e o êxtase.
Os suspiros e as estrelas.
A curiosidade e o calor nos olhares.
O bravo resistir da esperança.

Zé (Neto)

segunda-feira, 1 de maio de 2006

Leminskiana

Sendo tal o pessimismo,
passos vidas fracassos

Sendo tua a minha vida
não sei, não há espaço

Sendo como tento e não faço
pode vir, como vier eu traço.

Anadora Andrade